Nome referendado no Maranhão quando o tema é Educação a Distância, o professor Othon Bastos defende, há 20 anos, esta plataforma de ensino para o ingresso de 60 milhões de jovens na universidade. Hoje, com esta metodologia cada vez mais presente nas salas de aula, ele avança mais um pouco e visualiza os campi das universidades utilizados apenas para pesquisas, palestras e atividades afins. O tempo dirá.
Graduado em Farmácia, pela Universidade Federal do Maranhão, Othon Bastos tem Mestrado e Doutorado em Imunologia, ambos pela Universidade Estadual de Campinas (SP). Entre os seus principais cargos técnicos e administrativos assumidos, destacam-se os dois mandatos como reitor da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), reitor da Universidade Virtual do Estado do Maranhão (UNIVIMA), secretário de Estado da Ciência e Tecnologia, secretário de Educação de São Luís, membro da Academia Nacional de Farmácia e consultor da Fundação Sousândrade.
Na Fundação, ele também coordena os cursos de especialização conducentes aos mestrados em Farmácia e Marketing e Comunicação.
Nesta entrevista, a Revista Científica e Tecnológica da Fundação Sousâmdrade, publicada este ano, aborda projetos visionários do professor Othon Bastos. Um deles, na Imunologia das doenças tropicais sobre a importância dos roedores silvestres na epidemiologia da esquistossomose, juntamente com o Museu Nacional de História Natural de Paris, no programa de pesquisa de pós-graduação da UFMA. Outro, quando secretário de Ciência e Tecnologia do Estado, implantou a Universidade Virtual do Maranhão, em 2006.
Abordamos, também, o conteúdo de artigos publicados por ele, como o que trata da “Universidade do Futuro”, ideia defendida por ele em 1996, e que só em 2017, 21 anos depois, ele tem a satisfação de conhecer um projeto similar realizado pelo Governo Federal com a mudança da estrutura do Ensino Médio.
Por: Liliane Moreira
REVISTA CIENTÍFICA- Como o sr. desenvolveu sua pesquisa de Mestrado e Doutorado na Unicamp sobre a esquistossomose?
Othon Bastos– Eu já era professor da Universidade Federal do Maranhão quando iniciei o Mestrado em Imunologia. Queria continuar a estudar sobre as doenças tropicais. Assim que concluí o trabalho do mestrado, fui convidado pela Unicamp a permanecer em São Paulo, com possibilidade de estudar com o Dr Smithers, na Inglaterra, sobre vacina no tratamento da esquistossomose, a exemplo do Dr Capron, na França, e continuar suas pesquisas. Mas não era este o meu objetivo. Eu queria voltar ao Maranhão para contribuir com o meu Estado, buscando melhorias de vida das pessoas que moravam em locais de risco. Estudar a importância dos roedores silvestres na transmissão da esquistossomose, por exemplo. Então, fui orientado pela Unicamp a fazer a pós-graduação completa, ou seja, cursar o Doutorado. E assim eu fiz. Concluí minha tese: Evolução das Imunoglobulinas de Mus músculos (camundongos) em resposta ao Schistosoma mansonu, em 1978. Retornei à UFMA em 1979.
REVISTA CIENTÍFICA- Como o sr. aplicou o conhecimento adquirido no Doutorado?
Othon Bastos– Na volta do Doutorado, fiquei dedicado apenas a ser professor da UFMA. Montamos um Programa em Pesquisa e Pós-Graduação em Imunologia e começamos a desenvolver um projeto de epidemiologia das doenças tropicais na cidade São Bento (MA), para estudar a importância dos roedores silvestres na difusão da esquistossomose na Baixada Maranhense.
REVISTA CIENTÍFICA- Por que em São Bento?
Othon Bastos– Porque era uma região endêmica da esquistossomose, com características ambientais próprias da região.
REVISTA CIENTÍFICA- Como foi feito este projeto?
Othon Bastos- Consegui com um pescador, proprietário de terra localizada á beira do lago, um espaço para implantar um laboratório seminatural. Cerquei a área e coloquei um lote de caramujos sadios e outro de infectados. Para fechar o ciclo do parasita, introduzi roedores silvestres na cadeia evolutiva do verme e mostramos, experimentalmente, a evolução da doença. Mostramos, ainda, desta forma, que os ratos d´água, a exemplo dos humanos, potencializavam a doença. E que, também, eram capazes de disseminar a doenças para outras regiões indenes.
REVISTA CIENTÍFICA-E o que sr. fez após essa descoberta inicial?
Othon Bastos– Quando o foco estava se aproximando do Pará, convidamos uma parceira para trabalhar comigo. A Tereza Borjeau, do Museu Nacional da História Natural de Paris, na França. Ficou quatro anos com a nossa equipe, na cidade de São Bento. Conseguimos informar a existência do ciclo epidemiológico do verme, via caramujos e roedores silvestres, que caminhava, de acordo com a seca da região, em direção ao Estado do Pará e, provavelmente, para outras também. O estudo teve uma repercussão internacional, o que nos valeu um prêmio do Ministério das Relações Exteriores da França.
REVISTA CIENTÍFICA- Como foi feita a pesquisa prática?
Othon Bastos– Esta parte era com a estudiosa francesa. Ela trabalhava à noite, pois os roedores têm hábito noturno. Ela passava muito repelente, usava máscara e roupas apropriadas, e ficava à noite toda trabalhando no lago. Colocava uns colares nos roedores que emitiam sinais de radio. O aparelho emitia sinais diferentes de acordo com a posição dos animais: se estavam na água ou no seco.
REVISTA CIENTÍFICA- Qual foi a descoberta?
Othon Bastos– Descobrimos que os ratos d´água tinham hábitos noturnos: saiam para urinar e defecar durante a noite. Até então, esses roedores eram considerados apenas como reservatórios. Mostramos, portanto, que eles tinham um papel importante na cadeia epidemiológica, semelhante ao do homem.
REVISTA CIENTÍFICA- Por que o sr. tornou-se reitor da UFMA?
Othon Bastos– Na época, 1996, a UFMA estava com interesse de modernização do Campus, estrutural e instrumental, com convênios internacionais, e começou a trabalhar com EaD. A Universidade Federal de Santa Catarina havia crescido muito, com conceito altíssimo através de EAD, e entendi que poderia contribuir com o que eu havia estudado sobre o assunto. Ao assumir, criei a UFMA Virtual. Fizemos um convênio com a Universidade Monterrey, do México, que realizava palestras para os estudantes e professores da UFMA.
REVISTA CIENTÍFICA– Era o início da internet como instrumento educacional e o sr. já se dispunha a implantar a Universidade Virtual. Essa ideia foi bem recebida pelos alunos?
Othon Bastos– Nem todos entendiam ainda a metodologia. Eu lembro que quando concorri ao segundo mandato para reitor, em 2000, puseram uma faixa na frente do Campus com a seguinte frase: “Não queremos professores virtuais, queremos professores em sala de aula”. Hoje vejo que não estava errado, mas entendo que era tudo muito novo, havia resistência, por duvidarem da qualidade do ensino à distância.
“Há 15 anos puseram uma faixa na UFMA com o texto: ´Não queremos professor virtual; queremos professores de sala de aula´. Era tudo muito novo”
REVISTA CIENTÍFICA- Foi nesta época que o sr. implantou a Univima?
Othon Bastos– Sim. O governador José Reinaldo Tavares tinha muito interesse sobre EaD, uma vez que a educação no estado precisava de ampliar a formação de professores e alunos da rede de ensino, e me procurou para falar sobre o assunto. Eu sugeri que ele implantasse uma universidade virtual. Ele gostou da ideia e pediu um projeto, que fiz com apoio da Universidade de Santa Catarina. E aí surgiu a Univima, Universidade Virtual do Maranhão.
REVISTA CIENTÍFICA– Como funcionava a Univima?
Othon Bastos– Inicialmente, em 2005, foram oferecidos os cursos de Licenciatura em Matemática, Biologia, Física e Química em dez polos do Estado. O objetivo principal era atingir professores da rede pública de ensino. Formamos 500 alunos de cada curso. Os professores eram da Universidade de Santa Catarina, CEFET, atual IFMA- Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão, UFMA e UEMA. A Univima avançou e fizemos alfabetização via rádio web e vestibular da cidadania para inclusão social. Produzimos todo o material didático, pedagógico. Tivemos, inclusive, em Imperatriz, turmas com comunidades indígenas. Levávamos computadores a cerca de 20 índios, na região de Grajaú. Além disso, existiam ações como o Governo eletrônico, através do qual o governador reunia-se com prefeitos via videoconferência, e o projeto Univima Cultural, oferecendo arte como entretenimento para a população e transformando alunos e professores das escolas públicas municipais e estaduais em espectadores de peças de teatro, espetáculos musicais e filmes nacionais, que também foram utilizados como importantes instrumentos de apoio pedagógico.
REVISTA CIENTÍFICA– A Univima encerrou suas atividades, mas o sr. continua defensor da educação à distância?
Othon Bastos– Sem dúvida. E cada vez mais. Foram realizados grandes experimentos em Física e Matemática, por exemplo. Em dois anos de funcionamento da Univima já tínhamos 17 mil alunos concludentes dos cursos oferecidos.
REVISTA CIENTÍFICA– Como um jovem deve fazer para enveredar pela pesquisa científica?
Othon Bastos– O primeiro passo é se autoconsultar e procurar dentro dele sua vocação. Por isso não defendo o Enem do jeito que está. Ele nasceu para ser um diagnóstico do Ensino Médio, para saber onde o Governo Federal estava acertando, onde precisava investir. Mas depois resolveram utilizar esses pontos como forma de ingresso nas Universidades. Então, acontece de o estudante tenha interesse em um determinado Curso, mas opte por outro, ao ver que seus pontos são suficientes para tal, e aí acaba a vocação. Ele entra na Universidade conforme seus pontos e isso é um equívoco.
REVISTA CIENTÍFICA– Qual seria o melhor caminho para entrar na Universidade?
Othon Bastos– Hoje o Brasil tem condições de inserir nas Universidades os 60 milhões de jovens que concluíram o Ensino Médio e, também, os jovens ociosos, que nem estudam e nem trabalham, através de EaD.
“Não deveria haver provas para o ingresso à Universidade”
REVISTA CIENTÍFICA– O sr. enxerga este caminho para o Brasil?
Othon Bastos– É o caminho do futuro que já chegou. Claro que em determinados cursos poderia ser necessário o misto de aulas virtuais e presenciais. Mas na proposta que defendo, todos os alunos que saíssem do Ensino Médio já estariam prontos para o trabalho e para ingressar na Universidade, caso seja do seu interesse.
REVISTA CIENTÍFICA– Qual é sua proposta para a Universidade do Futuro?
Othon Bastos– A universidade tem que formar profissionais com pensamentos criativos, ecológicos e críticos. Tem que levar em consideração a individualidade dos seus alunos: cada um tem o seu próprio ritmo de trabalho, de estudo e preferência de formação. Tem que socializar seus conhecimentos, facilitando o acesso para todos aqueles que se disponha a frequentar o curso superior. Tem que ser moderna, para que possa manter o seu conhecimento atualizado. Tem que ser autônoma, para traçar suas políticas administrativas e acadêmicas e tem que ser um grande centro de pesquisas científicas para a geração de sabedoria e de possibilidades, de modo a disponibilizar sempre os novos conhecimentos aos profissionais que se proponham a uma atuação de vanguarda. A qualidade terá como limite a excelência, preparando o cidadão para, em primeiro lugar, o exercício pleno e sua cidadania; exercer sua profissão no avançado e concorrido mundo do trabalho; participar das políticas desenvolvimentistas do seu Estado, da sua região e influenciar fortemente na formação eficiente e moderna do ensino básico.
REVISTA CIENTÍFICA- Qual seria a metodologia de ensino?
Othon Bastos– Nas universidades, eles estudariam primeiro, no Ensino Aberto, o Português, Leitura e Interpretação de texto, Matemática básica, Língua estrangeira, Filosofia e Metodologia Científica. As disciplinas seriam oferecidas a todos aqueles que se proponham a ter um curso superior, sem exame vestibular.
No segundo ano, seria o Ensino Básico, já distribuindo a formação de dois anos de engenheiros, e aí eles iam para o nível especialista- como engenheiro eletricista, técnico em Farmácia, por exemplo. Sua formação principal visa formar tecnólogos. Aqui eles já estariam aptos a trabalhar. E seguiriam para o nível profissional, subdividido em dois: Tradicional e Personalizado. O universitário escolheria um dos dois caminhos a seguir.
REVISTA CIENTÍFICA- Uma proposta similar à do Governo Federal atual para a reforma do Ensino Médio?
Othon Bastos- Sim! Desde 2004 defendo isso. A diferença é que na reforma de agora eles não inseriram a metodologia de pesquisa. Acredito que o aluno tem que ter a pesquisa como hábito no seu curso, para que seja capaz de pesquisar sozinho, buscando o que precisa para aprimorar seus conhecimentos e conhecendo técnicas e meios de divulgá-los para o domínio público.
REVISTA CIENTÍFICA- O sr. é autor do livro “Uma Universidade ao alcance de todos”. Como todos poderiam ter acesso à universidade?
Othon Bastos– Através de uma universidade democrática e moderna. A Universidade ao alcance de todos possui igualitarismo, permite a liberdade de expressão; é antiautoritária; não possui luxo, isto é, que esteja em contato direto com o povo e que seja própria do povo.