O maestro e professor de música, Antonio Francisco Padilha, lançou no último dia 05, na livraria AMEI (Associação Maranhense de Escritores Independentes), o livro Pietas e Labor – a saga dos padres piamartinos no Nordeste do Brasil.
A obra, lançada pela editora Edufma e apoio da Fundação Sousândrade (FSADU), é um registro histórico dos 60 anos de chegada da missão dos padres piamartinos que vieram da Itália para o Nordeste do Brasil. No Maranhão, eles se instalaram em São Bento, a 128 km de São Luís.
O título Pietas e Labor é uma tradução do lema dos religiosos e significa “prece e trabalho”, que traduz o propósito de investir no ser humano por meio do ensino profissionalizante e de outras ações.
Os religiosos conhecidos como Piamartinos são irmãos e sacerdotes que, inspirados pelo seu fundador, São João Piamarta, possuem como carisma próprio a educação à vida da juventude pobre do mundo do trabalho.
Para atingir este objetivo, desenvolvem sua missão nas escolas profissionais de modo a oferecer aos jovens, além de um aprendizado intelectual, também uma capacitação técnica. As atividades de promoção humana são realizadas nos orfanatos, acolhendo em regime de internato ou semi-internato os mais carentes e necessitados.
Natural de São Bento, o autor do livro, Antonio Padilha, relata que hoje no município só resta o padre Lorenzo Franzoni, ainda fazendo um trabalho no Recanto da Paz, local de convivência e de terapias para pessoas com necessidades especiais, que sobrevive de doações. A renda da venda dos livros vai ser toda revertida para o lugar.
Minutos antes do lançamento do livro na AMEI, Padilha, que tem outros dois livros lançados – “A arte dos tons” (sobre o ensino da música) e “A construção ilusória da realidade” (sobre a ressignificação e recontextualização do bumba- meu-boi do Maranhão), concedeu a seguinte entrevista para o Portal da FSADU.
ENTREVISTA: Antônio Padilha
“Eles transformaram meninos na rua em meninos da lua”
Portal FSADU: Qual o objetivo dos padres piamartinos em São Bento?
Antônio Padilha: Inicialmente, três padres foram cuidar de meninos de rua. Mas, eles acabaram cuidando de toda a cidade. Nós não éramos de rua, mas na rua, pois tínhamos nossas casas para voltarmos à noite. E eles nos transformaram em meninos da lua, meninos sonhadores, que acreditam que a gratidão deve ser exercida em toda a sua intensidade.
Portal FSADU: Como eles agiam?
Antônio Padilha: Eles ensinaram o que dizia São Bento no século VI: Pietas e Labor (Prece e Trabalho): a orar, mas também trabalhar, a buscar uma vida digna. Eles chegaram até as crianças através do esporte, futebol, brincadeiras, cinema, teatro e música. Deram uma visão de mundo que não tínhamos.
Portal FSADU: Seu contato com eles foi a partir de quando?
Antônio Padilha: Desde que nasci eles já estavam lá. E desde sempre tive contato com eles. Fui coroinha aos 7 anos e os deixei com 15 anos, quando fui embora de São Bento, mas sempre que retornava tinha contato com eles. Estudei na escola que eles fundaram, a Escola Industrial de São Bento, enfim, eles foram a nossa bússola, nosso norte, em todos os aspectos. E envolvia a cidade toda.
Portal FSADU: Por que o sr. resolveu documentar em livro o trabalho dos piamartinos?
Antônio Padilha: Quando lemos a história desses padres, vemos claramente que é um oásis nesse deserto de conflitos do mundo. Este livro é uma espécie de “muito obrigado” do povo de São Bento para essas pessoas que iluminaram a nossa vida, a nossa mente, para que fôssemos meninos sonhadores.
Portal FSADU: O sr. desenvolve projetos culturais no Estado. Seria em gratidão pelo que recebeu desses padres?
Antônio Padilha: Sim, com certeza. Hoje, eu sou voluntário e ao mesmo tempo financiador da Escola de Música de São Bento para educação para as crianças. Tento retribuir uma parte do que eu recebi, no aspecto intelectual e econômico também..
Portal FSADU: Qual sua formação na música?
Antônio Padilha: Sou bacharel em Trompete (UNB), licenciado em Música também pela UNB, mestre em Regência e doutor em Etnomusicologia, pela Universidade de Aveiro (Portugal).
Portal FSADU: O sr. diria que a música pode transformar a condição socioemocional do ser humano?
Antônio Padilha: Claro. A música é um instrumento de lapidação da alma. O nosso espírito é lapidado pela música, a música educa a nossa emoção. Quem é educado musicalmente dificilmente cometerá assassinato, violência. Em pesquisas no mundo, concluíram que a profissão que menos cometeu assassinato no mundo é o músico erudito.
Portal FSADU: Na sua escola, em São Bento, a formação é música clássica?
Antônio Padilha: A gente ensina todo tipo de música, desde que seja boa (risos). Quando meus alunos perguntam o que é música boa, eu respondo que é uma música que agrega valor, de humanidade, equilíbrio, perseverança, coletividade, fraternidade. São valores entranhados na música.
Portal FSADU: Existe limite de idade para aprender a tocar instrumento musical?
Antônio Padilha: De jeito nenhum. A criança pode (e deve) iniciar o quanto antes, assim como as pessoas idosas também podem iniciar a qualquer idade. E sobre isso tenho um exemplo que sempre dou às pessoas mais idosas. O grande músico Ray Conniff, que tinha uma orquestra nos Estados Unidos, tinha um vizinho que sempre ouvia o ensaio da orquestra mas não tocava nada. Era engenheiro e aos 50 e poucos anos aposentou-se, ficando meio deprimido. Para distrair o vizinho, o maestro deu a ele um trompete. Esse senhor começou a estudar trompete e em menos de quatro anos de estudo ele fez o primeiro trompete na orquestra de Ray Connif. Ou seja, aos 60 anos ele começou a tocar profissionalmente!! É só querer e dedicar-se.